Na Bahia, o quadro é escandalosamente desolador. A cada fim de semana, dezenas de jovens são exterminados pelas ações dos grupos financiados pelos pequenos comerciantes com o apoio e a conivência das autoridades ou nos ditos confrontos com a polícia militar do Estado. São ações de caráter notadamente racista, agindo nas periferias da capital e do interior e já produzindo, em toda população negra do Estado, um clima de terror que pode ser comparado a tempos de guerra civil.
Segundo dados reconhecidos pela própria Secretaria de Segurança Pública, só na Grande Salvador, por exemplo, o número de homicídios cresceu mais de 50,5% nos primeiros cinco meses do ano, numa média que, aproximadamente, chega a seis assassinatos por dia. (A TARDE, 23/07/2008).
Sequenciadamente, o Estado policial (que já denunciávamos a muito dentro da estrutura carlista que comandou a Bahia) revela a sua natureza racista e foca toda a sua atuação de controle e extermínio sobre os corpos negros, confirmando a idéia de que o racismo é uma doutrina que preside os mecanismos do sistema penal a fim de subjugar o grupo populacional negro, aniquilar as nossas possibilidades de afirmação sócio-históricas e, por último, exterminar de maneira definitiva todo traço negro que resistiu ao massacre da escravização e do embranquecimento, dentro dessa conformação social cínica e letal.
Com a eleição do Governo Jaques Wagner, o movimento social baiano, e em particular o Movimento Negro, alimentou profundas esperanças e apostou na ruptura de práticas históricas do coronelismo racista que comandou o nosso Estado. Entretanto, o Governo até o presente momento, não deu conta da extensão e da profundidade das demandas que o movimento tem apresentado.
Sem reconhecer efetivamente a importância de uma política de promoção da igualdade racial, o Governo do Estado tem esvaziado politicamente a SEPROMI que, apesar de dialógica e bem intencionada, não tem sido viabilizada por esse Governo, tem sido preterida do ponto de vista da ação política e tem sido vítima da falta de recursos para suas ações.
Assim, enquanto o povo se organiza e articula a resposta a toda essa situação, os representantes do Estado vão pensando suas formas de conciliar as ponderações como se nós fôssemos “bobos” e sem conseqüência da nossa situação. A compra de contêineres para o depósito de gente, as denúncias de maus-tratos e de torturas nos presídios e delegacias, a compra de novas viaturas, ou, por assim dizer, de viaturas pintadas, a não valorização dos policiais corretos e dos agentes penitenciários, e, ainda, as declarações desastrosas do secretário de segurança pública aliadas com a escolha do novo coordenador (ainda mais reacionário) para a PM baiana revelam que o cenário continua trágico e perigoso!
O Governo Wagner não conseguiu mudar os rumos da política de segurança pública e promoção da igualdade racial. A SEPROMI continua escondida pelas ações do marketing, a polícia com os mesmos níveis de violência antes registrados e a população negra continua acuada nas periferias da capital e do interior.
A juventude e os demais setores do Movimento Negro baiano, solicita a construção de novos rumos para a mudança dessa perversa realidade. Propomos uma política de segurança que seja preventiva, que incorpore a categoria raça na compreensão da racionalidade penal vigente, que fortaleça o controle social das políticas públicas e que aponte, pela educação, saúde, lazer e cultura, para a produção de novas formas de fortalecimento do tecido social, rompendo com o modelo racista implementado desde há muito nesse Estado e mantido pelo carlismo no período anterior.
Esse Governo nasceu com grandes esperanças por parte dos setores populares e precisa fazer jus aos sentidos que as classes populares lhe conferiram. Nesse momento de tantas angústias partilhadas reivindicamos um diálogo aberto e permanente no campo da segurança pública:
Queremos reparação material para as vítimas de seqüelas e mutilações decorrentes da ação do Estado e da sua omissão quanto aos grupos de extermínio e homicídios causados pela violência policial,
Lutamos pelo fim das “invasões” das comunidades populares de concentração negra e das ações letais por parte da polícia,
Lutamos pelas ações preventivas, pelo fortalecimento da cidadania e das iniciativas de mediação e controle social nas comunidades,
Lutamos para que a política estadual de juventude desenvolva ações de combate ao extermínio da juventude negra,
Lutamos pela implementação das resoluções do ENJUNE no âmbito do governo estadual,
Pela realização da Conferencia Estadual de Direitos Humanos com efetiva participação do movimento social negro,
Reivindicamos o estímulo às penas alternativas e às medidas sócio-educativas em liberdade e semi-liberdade,
Lutamos contra a privatizacão do sistema carcerário na Bahia,
Lutamos contra a criminalizacão dos negros e da pobreza,
Lutamos pela garantia da dignidade para os presos no Estado da Bahia e pelo cumprimento efetivo dos direitos previstos na Lei de Execuções Penais, na Constituição Federal e em tratados internacionais do qual o Brasil é signatário,
Queremos o fortalecimento da SEPROMI e a construção de uma política de promoção da igualdade ampla e efetiva, com recursos e envolvimento de todas as Secretarias do Estado.
Vamos participar de cada passo dessa luta e não deixaremos que outros contem a nossa história.
Estamos por nossa própria conta e sabemos que nada virá sem que nos mobilizemos de maneira autônoma. Os direitos humanos sem raça não nos assistem e as garantias não nos garantem, ser negro é viver sob o constante risco da bala perdida, do baculejo violento e da desastrosa ação policial na entrada da favela. Até quando essa história vai continuar?
Assinam:
Fórum Baiano de Juventude Negra
NENUEFS - Núcleo de Estudantes Negras e Negros da UEFS