quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Mais uma conquista contra a intolerância religiosa

O combate ao racismo e à intolerância religiosa não tem uma única maternidade ou paternidade. A luta pela igualdade interessa a todos independente da religião que alguém professa e também aos ateus.

Faço esta introdução para não ofender católicos da renovação carismática ou evangélicos. Conheço, por exemplo, o trabalho sincero do Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos que com coragem abre a discussão sobre o racismo nas igrejas evangélicas. Ressalto também o ótimo papel da Pastoral Afro desempenhado na igreja católica.

Quero falar neste espaço sobre a vitória obtida na Justiça pela família da ialorixá Mãe Gilda (Gildásia dos Santos) que faleceu no dia 21 de janeiro de 2000 depois de um longo processo de depressão motivado por matéria publicada no jornal “Folha Universal”, que pertence à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em que ela estava com uma tarja preta nos olhos e com a legenda “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. O povo da Bahia em geral, os membros do terreiro da ialorixá, Ilê Axé Abassá de Ogum, em especial, perderam muito. A data da morte de Mãe Gilda foi transformada pela Câmara Municipal de Salvador em Dia Contra a Intolerância Religiosa.

A primeira decisão da Justiça, na Bahia, condenou a IURD a pagar indenização de R$ 1.372 milhão aos familiares. Os ministros da 4ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiram pela condenação da atitude intolerante da IURD e reduziu o valor da indenização para R$ 145 mil. O maior valor, porém, é o simbólico.

O povo negro sempre sofreu perseguições ao seu culto, mesmo em órgãos institucionais, desde que aqui chegamos no período da escravatura e com nosso trabalho construímos a riqueza do Brasil.

Fico feliz, mas não perco a necessidade de olhar para o futuro e ver que muito falta por se fazer para reparar os graves e profundos problemas existentes e causados pela escravatura e conseqüentemente depois pelo racismo.

A alegria pela decisão da Justiça não é total porque vemos pesquisas divulgadas no dia 24 de setembro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) mostrando que os trabalhadores brancos tiveram um rendimento médio mensal quase duas vezes maior que o dos negros em 2007, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais com base em levantamento da PNAD 2007 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Negros receberam em média 1,8 salários mínimos. Já os brancos tiveram um rendimento de 3,4 salários mínimos.

Somente 12% de negros estão entre o 1% mais rico, enquanto os brancos formam 86,3% do grupo. Já entre os 10% mais pobres figuram 73,9% de negros contra 25,5% de brancos.


Se o combate ao racismo e à intolerância religiosa interessa a todos independente da religião vamos nos unir para termos um Brasil melhor para todos os seus filhos e que respeite a todos. Axé! Amém!


quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Por uma campanha eleitoral sem baixarias

Como cidadão, professor de História e sindicalista sei o quanto os setores democráticos de nossa sociedade lutaram para que se restabelecesse o Estado de Direito e a livre manifestação de idéias, em especial o direito de votar e ser votado.

Vejo com tristeza que a campanha eleitoral em Salvador está indo por um rumo ruim para o debate das idéias. Passou-se quase para briga de rua ou de boteco de quinta categoria.

"Triste Bahia! Oh quão dessemelhante." O que vemos agora é algo parecendo com pagode de baixa qualidade. Diz-se que fulano traiu sicrano que traiu beltrano, e que vai trair o povo soteropolitano.
O governador da Bahia, Otávio Mangabeira, já dizia: "Pense num absurdo. Na Bahia tem precedente". Que sapiência, que verdade tão verdadeira.

Como telespectador assíduo dos programas eleitorais me deparo com uma pérola rara. Um candidato, que busca a reeleição, acusa outro candidato adversário de traição porque esse teve a dignidade de votar, em determinada matéria, de acordo com sua consciência. Incrível como isso acontece, alguém ser fiel à sua consciência e ser tachado de traidor. Será que o acusador não pensou duas vezes antes de fazer tal afirmação? Se o fizesse não cometeria tal impropério, pois traição é uma coisa tão feia, tão torpe.

Parece-me que histórias de traição são constantes na política de Salvador. Basta relembramos de alguns fatos. O candidato que busca a reeleição e que acusa o outro de traidor foi eleito por um partido e sequer foi fiel à legenda pela qual se elegeu. Chegou até a ser chamado, publicamente, de traidor pelo presidente do partido que pertencia. Depois, o dirigente partidário vergonhosamente pediu desculpas à população por ter votado no "traidor" do prefeito.

Mas não é só isso, a ingratidão também é uma coisa horrenda. Além de ser acusado de traidor, o candidato à reeleição foi rotulado de ingrato, vejamos o que foi postado no blog do jornalista Ricardo Noblat: " Ingrato o prefeito fulano de tal (PDT) de Salvador levou R$ 3 milhões do governador (PFL) para investir no Carnaval da cidade. E no entanto, sequer atravessou os poucos metros que separaram o seu camarote do governador para cumprimentá-lo."

Traição e ingratidão também sofreram os auxiliares do candidato à reeleição que foram demitidos da forma mais aviltante . Só souberam da exoneração através do Diário Oficial do Município. Os casos mais gritantes de falta de consideração foi o acontecido com o Secretário de Comunicação, um brilhante e sério jornalista, com o competente secretário de Governo e tantos outros.

Portanto, antes de falar em traição e traidor, o indivíduo teria que se olhar no espelho.
Queremos que a administração municipal que saia das eleições de 2008 faça a inversão de prioridades e crie uma forma de governar com grandeza e não com baixarias.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O papel da reparação

A Secretaria Municipal da Reparação (Semur) da Prefeitura Municipal de Salvador é a instância responsável por articular, junto às instituições governamentais e não governamentais, políticas públicas de promoção da igualdade racial.

Como acompanho e participo da luta em combate ao racismo li com muita atenção o artigo da subsecretária da Semur, Maria Alice Pereira da Silva, publicado aqui neste espaço recentemente. Concordo quando ela diz que políticas afirmativas devem ser tratadas como prioridades de governo e que deve estar acima das questões político-partidárias.

Em primeiro lugar recomendo à Prefeitura de Salvador aumentar o orçamento da Secretaria Municipal da Reparação pois trata-se do menor de toda a prefeitura.

Ela afirma que existe um resgate aos projetos desenvolvidos pela Semur, porém, não conheço nenhuma empresa que tenha recebido o Selo da Diversidade e tempo para isso houve. Até mesmo o coordenador que vinha desenvolvendo o projeto foi exonerado e substituído para atender aos acordos políticos-partidários que a subsecretária diz combater.

Sabemos que o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) é um programa financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), uma das 18 agências, fundos e programas da ONU (Organização das Nações Unidas) presentes no Brasil. Para que ele tivesse sucesso seria necessário haver uma transversalidade com todos os órgãos públicos principalmente os da Prefeitura de Salvador.

O que foi feito dos comitês setoriais? Pelo que me consta há muito tempo eles não se reúnem e parece-me também que o dinheiro do PNUD já não existe mais. Portanto, o PCRI não continua firme e forte, ao contrário, está fraco.

Fico feliz em saber da "pujança" de projetos que a Semur está vivendo. Eu e os demais moradores de Salvador gostaríamos, porém, de saber quais são os tais projetos, quando serão implantados e o resultado prático deles para saber se a pujança não é apenas virtual.

Um dos programas em andamento em outra gestão da Semur foi a plantio de Baobá, árvore sagrada para os seguidores de religiões de matriz africana. Para os adeptos dessas religiões, entre os quais me incluo, era aos pés do Baobá que os orixás, especialmente Omolu, durante as peregrinações, paravam para descansar das caminhadas, alimentar-se e ainda curar determinadas doenças. A Semur tem acompanhado o crescimento dessas árvores, que tanto significa para o povo de santo? Ampliou o programa? Fez o memorial dos Baobás plantados?

Sou um eterno otimista e espero que a Semur reencontre um caminho de ação efetiva e atue com transparência em benefício da cidade, em especial da população afrodescendente. Só assim a Semur vai deixar de ser um local apenas para pagar salários a alguns e cumprir o papel para o qual foi criada que é o de articular políticas públicas de promoção da igualdade racial.
Publicado em A Tarde no dia 1º de setembro de 2008